Skip to main content

ÉPITAPHE



VILLON, François n. 1431 



EPITÁFIO

aqui neste lugar jaz e dorme
alguém que Amor fulminou com flecha,
um escolar pequeno e pobre.
nome: françois villon. vilão, a pecha.
não teve nunca escritura de terra.
doou tudo, o vulgo comenta à larga:
cestos, pães, estrados, mesas.
comparsas, dizei esta versalhada: 

Rondeau

Repouso eterno seja dado a este,
Senhor, e claridade desmedida,
pois em vida bolso sempre raso teve
e no seu prato coisas mal cosidas.
rente cortaram-lhe a barba nascente,
como a um nabo que se rapa a película.
repouso eterno seja dado a este.
Rigor o forçou ao exílio, como se peste,
e esfolou-lhe a bunda de pelica,
não obstante haver dito ele, à risca:
“eu apelo!”, termo de fácil exegese.
repouso eterno seja dado a este.

ÉPITAPHE

Ci gist et dort en ce sollier,
Qu’amours occist de son raillon,
Ung povre petit escollier,
Qui fut nommé françois villon.
Oncques de terre n’ot sillon.
Il donna tout, chascun le scet:
Tables, tresteaulx, pain, corbeillon.
Gallans, dictes en ce verset:

Rondó

Repos eternel donne a cil,
Sire, et clarté perpetuelle,
Qui vaillant plat ni escuelle
N’eut oncques, n’ung brain de percil.
Il fut rez, chief, barbe et sourcil,
Comme ung navet qu’on ret ou pelle.
Repos eternel donne a cil.
Rigueur le transmit en exil,
Et luy frappa au cul la pelle,
Non obstant qu’il dit: “j’en appelle!”
Qui n’est pas terme trop subtil.
Repos eternel donne a cil.

VILLON, François n. 1431 




Mais do que uma tradução, o que acontece aqui é a linguagem-villon constituindo uma máscara, persona: “soar através de”. ao traço parafrástico do poema em português, não soaria estranho que se lhe aplicasse a expressão “poema à maneira de...” experimento falar através de françois villon numa espécie de interpretação (sentido musical) contemporânea a uma partitura verbivocovisual de mais de 500 anos. no caso de versões para textos da tradição. há uma explicação mais sincrônica que moralizante para fixarmos a figura do traduttore como traditore. em outras palavras, não verti o Épitaphe com aquele apetite filológico-historicista que empreende, per fas et per nefas*, a reconstituição fiel de uma época ou de um fato lingüístico. assim, passei o pé na letra para encontrar a rima, ou a quase-rima (toantes na maioria das ocorrências). desprezei o contexto (lastro documental), visando valorizar um clima: a linguagem de escárnio e, quase sempre, de automaldizer (por isso a modernidade) de françois villon. tradução, por roman jakobson: algo que envolve duas mensagens equivalentes em dois códigos diferentes.

François Villon - nasceu em 1431, em Paris, chamado François de Montecorbier, adotando posteriormente o Villon de seu pai adotivo, Guilhaume de Villon. Cursou bacharelado e recebeu o grau de mestre em artes da universidade de Paris. Ficou famoso não só por sua obra mas por seu percurso marginal. Assassinou um padre em 1455 em uma briga de rua mas foi perdoado. Preso várias vezes, chegou a ser condenado à morte, mas teve a pena substituída pelo banimento da cidade de Paris. A partir de 1463 não se tem mais notícias dele não sendo conhecida a data de sua morte. A primeira edição de sua obra saiu em 1489. Escreveu Testamento, Balada a Nossa Senhora, Balada dos Enforcados entre muito outros poemas

Comments

Popular posts from this blog

de lambuja, um poema traduzido

Ivy G. Wilson Ayo A. Coly Introduction Callaloo Volume 30, Number 2, Spring 2007 Special Issue: Callaloo and the Cultures and Letters of the Black Diaspora.To employ the term diaspora in black cultural studies now is equal parts imperative and elusive. In the wake of recent forceful critiques of nationalism, the diaspora has increasingly come to be understood as a concept—indeed, almost a discourse formation unto itself—that allows for, if not mandates, modes of analysis that are comparative, transnational, global in their perspective. And Callaloo, as a journal of African Diaspora arts and letters, might justly be understood to have a particular relationship to this mandate. For this special issue, we have tried to assemble pieces where the phrase diaspora can find little refuge as a self-reflexive term—a maneuver that seeks to destabilize the facile prefigurations of the word in our current critical vocabulary, where its invocation has too often become idiomatic. More critically, we

antipoema para a literatura branca brasileira

  por uma literatura de várzea por uma literatura lavada de notas de pé de página por uma literatura sem seguidores por uma literatura não endogâmica por uma literatura infiel à realidade por uma literatura impertinente por uma literatura não poética por uma literatura que não capitule à noção de "obra", acúmulo de feitos por uma literatura que não seja o corolário de oficinas de escrita criativa por uma literatura que não sucumba à chapa de que o menos é mais por uma literatura desobediente ao mercado livreiro-editorial por uma literatura imprudente por uma literatura sem cacoetes, isto é, o oposto do que faz mia couto por uma literatura que não se confunda com o ativismo de facebook por uma literatura que não seja imprescindível por uma literatura sem literatos por uma literatura, como disse uma vez lezama, livre dos tarados protetores das letras por uma literatura sem mediadores de leitura por uma literatura não inspirada em filósofos fr

35 anos depois, poemas

[primeira redação: 1985; duas ou três alterações: 2020]   1 espelho verde não se sabe de onde parte a vontade do vento confins com os quais o vento confina   2 um paraíso entre uma ramagem e outra e uma outra e imagens que não se imaginam por isso um paraíso   3 marcolini amigo este cálix (quieto) este cálix é um breve estribrilho um confim um paraíso uma música uma náusea                                                                                                                   4 a brisa em pleno brilho vai-se sempiterno para o claro exceto que uma claridade sem margens abeira-nos da escuridão mais aguçada                                     5 copo onde a pedra da luz faísca pão solar gomo aberto vinácea e divina ipásia                                                6 quando as palavras se tornam escuras não é porque há algo de inefável nos objetos a que elas se referem há duas razões para que isso ocorra